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Relação do governo Lula com Congresso mostra que temos um Executivo disfuncional

Análise sugere que as dificuldades do governo Lula no Legislativo decorrem da ineficácia do Executivo em formar coalizões, e não apenas das regras orçamentárias. A fragmentação partidária diminuiu, mas a governabilidade continua desafiadora devido à falta de coordenação política.

Resposta à coluna de Sérgio Abranches: A entrevista de meu amigo ao Valor Econômico argumenta que o Legislativo esvaziou o Executivo, resultando em “enrascada de governabilidade”. Ele atribui esse processo a Temer e Bolsonaro, considerando o Congresso “disfuncional”.

Apresento uma interpretação alternativa: a disfunção do atual presidencialismo multipartidário reside no Executivo, não no Legislativo.

Imprecisão histórica: A “entrega do governo ao Congresso” começou com Dilma Rousseff, ao sancionar a EC 86 em 2015, que tornou impositivas as emendas individuais. Bolsonaro sancionou a EC 100, estendendo essa impositividade às de bancada.

Apesar das restrições orçamentárias, Temer obteve 93% de aprovação de suas propostas, enquanto Bolsonaro teve cerca de 90%. Já Lula 3 registra apenas 72%, semelhante ao segundo mandato de Dilma. Isso indica que a dificuldade de Lula no Legislativo resulta da incapacidade do Executivo em formar coalizões eficazes.

Mesmo com uma coalizão supermajoritária, essa não assegura uma maioria substantiva. Desde a reforma eleitoral de 2017, a fragmentação partidária diminuiu; a Câmara passou de até 30 partidos para 15, o menor número desde 1994. Portanto, o Executivo enfrenta mais restrições orçamentárias, mas se beneficia da redução da fragmentação, o que deveria facilitar a coordenação política.

Sérgio sugere que o problema é institucional, mas isso confunde instituições com interesses. O xadrez do presidencialismo multipartidário é baseado na sobrevivência eleitoral. Essa lógica, vista como disfuncional, é crucial para o funcionamento do sistema. A ideologia poderia tornar a formação de coalizões ainda mais difícil.

No presidencialismo, o Legislativo responde a incentivos locais. O Executivo deve oferecer coordenação, e sua falha resulta em baixa governabilidade.

Quanto à hipocrisia do Legislativo em inflacionar gastos, é importante ressaltar que desequilíbrios ocorrem em diferentes arranjos institucionais. Os EUA, por exemplo, têm um sistema com captação intensa por interesses privados.

No passado, o Brasil produziu políticas de redistribuição com responsabilidade fiscal. O PT manifestou irresponsabilidade votando contra importantes iniciativas, mas o Legislativo não era visto como disfuncional.

Em resumo, o Congresso não é disfuncional por sua fragmentação ou clientelismo. Ele age de forma racional frente aos incentivos oferecidos. A falha ocorre no Executivo, que não consegue navegar adequadamente no presidencialismo de coalizão.

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